7 - predomínio da poesia.
Vamos tentar então a redução de todas essas peculiaridades do Movimento Modernista ao âmbito restrito das letras bageenses.
Os livros de poemas de Pedro R. Wayne (* Salvador-BA, 26 de fevereiro de 1904 - † Bagé-RS, 13 de outubro de 1951), "Versos Meninosos e a Lua" e "Dina", escritos em Bagé, em sua maioria na década de vinte, aparecidos respectivamente em 1931 e 1935, documentam essas tendências modernistas.
Até o advento do Modernismo ninguém se preocupava com o português falado no Brasil, tudo o que diferia da língua de além-mar, diz A. J. Figueiredo, merecia reparo e censura por ser brasileirismo, termo usado pejorativo pelos gramáticos.
Surge, então, escreve Luiz Carlos Lessa, a ideia da língua brasileira, buscando uma aproximação efetiva entre a língua falada e a língua escrita, buscando uma consagração do vocabulário popular e da sintaxe brasileira. Por outro lado, o Modernismo propugnava pela destruição sistemática das regras cerebrinas dos gramatiqueiros, reagindo assim abertamente contra os exageros puristas de Rui Barbosa, a ditadura gramatical de Cândido de Figueiredo e o classicismo lusitanisante dos parnasianos. A renovação do material linguístico é representada pela utilização de vocabulário popular e pelo emprego da sintaxe brasileira.
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 60)
boneco de pano tapa-chá".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 32)
gritantes, gostantes, gosados".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 12)
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 28)
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 17)
Todas as palavras grifadas estão arroladas no Pequeno Vocabulário de Termos Populares em "O Modernismo e a Língua Portuguesa", de Luiz Carlos Lessa:
- Gargalham cafajas os guizos.
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 17)
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 17)
O artigo predominante está no plural e o substantivo determinado no singular, como ocorre normalmente na língua falada informal.
"Voltei a ser criança.
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 7)
Casos de pronome átono no início do período.
(Dina, pág. 7)
Os poemas que integram os livros em exame são todos escritos em versos livres. A esse respeito o autor, nas passagens seguintes, já nos previne de sua posição diante do verso tradicional.:
"o bojo redondo reluz
com a chatice mesma da métrica".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 12)
"Está aí uma canção
cantante como fala de nortista
sem o arrimo pretensioso
das rimas pra rimar".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 41)
Convém anotar dos recursos do versilibrismo estudados por OSWALDINO MARQUES e posteriormente aplicados por Luiz Cesar Saraiva Feijó a um livro de poemas de Nauro Machado. Eis algumas consonâncias catadas sem muita dificuldade nas células sonoras dos versos desses primeiros livros do Modernismo em Bagé:
a)
coliteração - aliteração com consonantes homorgânicas.
"
Ba
te
pal
ma
das
na
pal
ma
da
mão".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 17)
b)
amplificação - ocorrência em justa posição de duas consonâncias e se repetem elas depois, porém já distanciadas entre si por intervalo vocálico ou mesmo silábico.
"na cate
dral silenciosa
de nosso qua
rto".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 30)
"pelo la
drilho
do ma
rfim".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 32)
"como um
ja
to de luz pela
janela aber
ta".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 42)
"A terra da
promissão de meu es
pí
rito".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 35)
c)
amplificação por variação cognata.
"
braços nus,
pe
rnas de fora".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 33)
d)
diminuição - é o contrário do que se dá na amplificação.
"que so
lu
ça em teu colo convu
lsivo".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 36)
"e
só sen
tia o go
sto da terra boa".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 42)
"as
pérola vieram em
procissão".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 26)
"só
sin
to o go
sto puro da luz".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 43)
"as
rou
pas impregnadas de co
rpos".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 47)
e)
diminuição por variação cognata.
"RE
PA
RA como parece nos olhos
BREJEIRA".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 47)
f)
acróstico - consonâncias dispostas de uma certa forma que se reproduzem no mesmo verso, como por exemplo, o esquema a-b-c c-b-a.
"Como dois sinos do sexo". (Versos Meninosos e a Lua, pág. 21)
K D S S D K
g)
eco ou ressonância - efeito fonético obtido através de reagrupamento de consonâncias, em geral cognatas, com a repetição da última ou das duas últimas, tipo r-p-m m-p-r-pr.
"repara se as roupas brancas não parecem". (Versos Meninosos e a Lua, pág. 46)
P R R P R P
"descem das escadas dos séculos bailarinos". (Versos Meninosos e a Lua, pág. 53)
D S S D S D S S
h)
quiasma - arranjo em que os fonemas extremos e medianos são iguais entre si.
"A á
gua do passo
corre transparente
como
gaze".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 37)
"an
da a
roda, desanda a
ro
da".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 7)
"
den
tro de minhas noites agi
ta
das".
(Dina, pág. 47)
"
queres saber quan
to
te
quero".
(Dina, pág. 10)
"
ris
co
como um
raio".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 37)
3. Busca da originalidade a qualquer preço
Essa preocupação da fase heróica do Modernismo transparece em Pedro R. Wayne na
a) invenção de palavras novas
como ocorre no título de seu primeiro livro "Versos MENINOSOS e a Lua". O propósito deliberado da criação de novos vocábulos é confessado nestes versos:
"Não sei se sou poeta
sei que canto enforquilhado
na minhancia de inventar palavras novas".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 52)
"Os boatos, a maledicência,
vestem-se CASACALMENTE aí
(...)
e os garçons no malabarismo
do azafama
AEROPLANIZAM-SE"
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 23)
b)
imagística insólita
Algumas imagens realmente sugestivas, como o símile nos versos seguintes:
"meninas balançando os seios soltos
que badalam por dentro dos vestidos
comos dois sinos do sexo".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 21)
e as metáforas enfileiras na passagem abaixo, especialmente a última:
"Cara reatada pelos esparadrapos das rugas.
Da lagoa parada das olheiras
Os olhos chorosos
e o coração lamacento
o firmamento cinzento dos cabelos.
- Solteirona".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 24)
Outras há que não são de inteiro bom gosto:
"Repara como parece no olhar brejeira
aquela combinação cor-de-rosa,
que cochicha bisbilhoreira
com aquela cueca maliciosa,
parecem meninas segredando
recordando... Vá se saber o quê".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 47)
Outras ainda atrevidíssimas, como o claro propósito de contundir e escandalizar:
"Com o colo bamboleando
aos trancos e barrancos
(...)
desentocando zorrilho dos sovacos!"
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 19)
c)
regência verbal inusitada - como a do verbo rezar com objeto direto de pessoa, representado por pronome oblíquo no verso.
"me ajoelho e rezo-te".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 62)
4. Valorização da poética do cotidiano
Como ocorre, entre muitas outras, no passo seguinte:
"A campainha do cinema
feminimamente
teve um ataque de histerismo:
Tritrililim! Tritrililim! Tritrililim!
Chegam os moços de bigodinhos
raquíticos,
como postes paralíticos
estacionam na calçada...
meninas balançando os seios soltos
que badalam por dentro dos vestidos
como dois sinos do sexo,
chegam".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 21)
Curioso efeito de "découpage" produzem os cavalgamentos dos versos esdrúxulos na passados dos moços de bigodinhos. O ritmo evoca, a nosso ver, com muita adequação o andamento dos filmes da década de vinte, de 16 quadros por segundo; enquanto no campo semântico a associação cinema-bigodinho-raquíticos-postes sugere obrigatoriamente Carlitos. Já na cena das meninas as aliterações em b-l (balançando, soltos, badalam) a impressão proporcionada é a de carnes tremulantes e panos ondulando (comparação: em contexto muito diferente a utilização das mesmas consoantes por Castro Alves - para obtenção de efeito de certo modo análogo no segundo verso da penúltima estrofe de "O Navio Negreiro").
5. Nacionalismo, valorização do Brasil pré-cabraliano e do negro
"Me fiz de tacape, ponta de flecha, pontarias e força muscular nos braços dos índios vigorosos".
(Dina, pág. 42-23)
"Nega pichenta
pichaenta.
Teus avós tomaram banho de alcatrão
no Congo
e te soltaram com um cartaz de propaganda
da África e do Brasil".
(Versos Meninosos e a Lua, pág. 18)
6. Iconoclastia e anti-passadismo
Na linha do poema-piada, Pedro R. Wayne satiriza Camões, Casimiro de Abreu e Olavo Bilac, ou seja, de modo geral, todo o passado poesia de nossa língua: o Classicismo, o Romantismo e o Parnasianismo.
Recadinho ao Busto de Camões
Vê se seu Camões
- o que os mouros deixaram pra toda a vida
piscando um olho -
nos cede umas folhinhas
do galho de tempero
que tem em torno da cabeça
que é só para dar um gostinho no feijão
até que o armazém onde teu pai tem livreta
recebe o louro que encomendou.
(Dina, pág. 41)
Para quê?
Para que a poesia indevassável?
Para que, se, por enquanto,
o berreiro do Casemiro
quando se deu conta
que não tinha mais seus oito anos
ainda é é a máxima emoção nacional?
(Inédito)
No Velho Engaste Azul
São Pedro, zelador do firmamento,
vendo uma estrela cadente
bater asas e riscar luminosamente o céu,
grita escandalizado pra Jesus:
- Olha lá uma virgens do Bilac
fugindo de casa com a alma do namorado que morreu!
(Jornal Correio do Povo, Porto Alegre, 30 de agosto de 1936)
7. Predomínio da poesia
Os dois livros de Pedro R. Wayne que representam a primeira fase do Modernismo em Bagé são livros de poemas.
A SEGUNDA FASE DO MODERNISMO (1930-1945)
A fase também denominada de Pós-Modernismo caracteriza-se:
I - na prosa
a) pelo romance neonaturalista e regionalista;
b) pelo romance psicológico.
II - pela poesia de intenções filosóficas e sociais.
I - A Prosa
a)
O romance neoonaturalista e regionalista: Xarqueada, de Pedro R. Wayne.
Mais uma vez as letras bageenses, nessa segunda etapa do Modernismo, fazem eco ao se passa no cenário da literatura nacional.
Patrocinado pela Sociedade Felipe de Oliveira, em 1937, surge "Xarqueada" (Editora Guanabara, Rio). O título do livro, grafado com letra X, foi proposto por Oswald de Andrade e Jorge Amado (ver carta assinada por ambos e datada do Rio, Carnaval de 1935). O primeiro romance de Pedro R. Wayne, respondia no Sul, em Bagé, a novelística social do Nordeste, de Jorge Amado, Graciliano Ramos e José Lins do Rêgo. Assinalava "Xarqueada" um marco pionerístico no regionalismo gaúcho, pois, pela primeira vez, despia-se o gaúcho das vestes coloridas que lhe enfiara José de Alencar, e era situado na realidade contemporânea.
Essa importância de "Xarqueada" é proclamada por Athos Damasceno Ferreira: "É preciso fazer justiça a Pedro R. Wayne. Com seu livro publicado em 1937, "Xarqueada", ele iniciou a nova fase do regionalismo. Não se trata de um trabalho precursor. Wayne abriu caminho" (Jornal Folha da Tarde, Porto Alegre, 4 de outubro de 1944).
E Ivan Pedro Martins: "Wayne fez "Xarqueada". Foi como abrir portas de par em par para um mundo novo. O mundo do trabalho, do sofrimento, da miséria, da desgraça e da esperança do pago. A vida diária ganhou grandeza e a obra do pioneiro teve seguidores. Dyonélio Machado, Ciro Martins e outros vieram olhar de perto esse manancial maravilhoso que é a vida gaúcha. Esse é o mérito de Wayne - foi o iniciador de uma corrente literária" (Jornal Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 29 de agosto de 1949).
Após a morte do escritor, em sua homenagem, Danúbio Gonçalves, artista bageense de ressonância internacional, realizaria uma série de gravuras sobre os temas de "Xarqueada".
b)
O romance psicológico: Almas Penadas, de Pedro R. Wayne.
Em "Almas Penadas", de Pedro R. Wayne (Irmãos Pongetti, 1942, capa do autor e ilustrações de Carlos Scliar), o cenário é o mesmo de "Xarqueada", a campanha gaúcha, mas, agora, o romance envereda pelas trilhas do mundo interior e a "alma penada" de Hélio é o verdadeiro território o qual se desenrola a história.
II - A Poesia
Clóvis Assumpção representa em Bagé, com seu livro de poemas "As Águas Não Têm Memória" (edição do autor, ilustrações de Carlos Scliar, 1942) a inclinação filosófica e as preocupações sociais do segundo momento do Modernismo.
O livro contém, entre outros, os seguintes poemas que exemplificam essas características.
"Abram as portas
Deixem passar
Os idiotas, os milionários,
Os imbecis, os sábios,
Os leprosos, os santos,
Os cretinos, os tímidos.
Não deixem ninguém encerrado no meio da vida,"
"Houve o grande comício dos deserdados.
E Confúcio falou.
E Cristo falou.
E Sócrates falou.
E os deserdados escutaram.
Ainda outros.
E os deserdados escutaram.
E continuaram irremediavelmente deserdados".
"É melhor que as nossas
Vidas estejam truncadas.
É bem melhor que as nossas vidas
Estejam marcadas.
São Pobres demais
As vidas lisas".
Vale a pena observar, nesse último poema, a utilização funcional do "enjabement", fazendo com que os versos sofram o corte abrupto sempre é mencionada a palavra vida. O ritmo oferece assim uma descontinuidade que se apropria com muita justeza À idéia de existências fragmentadas.
Note-se o emprego idêntico do recurso por Mário de Andrade no poema que começa com os versos "Agora eu quero cantar", estudado detidamente por Nelly Novaes Coelho.
A TERCEIRA FASE DO MODERNISMO (1945-...)
A terceira fase do Modernismo, ita também Neomodernismo, começa em 1945 e vem até os dias atuais.
Caracteriza-se, essa terceira etapa do Modernismo brasileiro, pela procura de uma técnica esmerada e uma exigente preocupação estética pela forma.
Sirvam de amostras desse último momento, em Bagé, um poema de Pedro R. Wayne, de seu livro "Tropel de Aflições", publicado em 1947 e em um soneto de Camilo Rocha, extraído de seu livro póstumo "A Barca de Tarsis", cuja publicação devemos a dedicação de Wilson Santos e Ernesto Costa.
Poema nº. 2
Não temos mais caminhos,
Não temos mais celebrações,
Caímos na superfície solitária
Das estrelas apagadas.
Houve, de repente, em nossa alma
O toque imperioso do silêncio
E, num só momento, se ausentaram
Todas as manifestações consoladoras.
Não temos mais caminhos,
Não temos mais celebrações,
O nome da morta atinge agora
Toda a extensão de nosso peito.
Somos a cruz que permanece
Num meio devastado
E que a inscrição,
Entre os dois braços tristes
Tem a sua existência definida!
(Tropel de Aflições, Pedro R. Wayne)
Pope, informa-nos Jakobson, dizia aos poetas que o som deve ser um eco do sentido, a que o eminente "poeta da linguística" junta a comunicação de Hymes, segundo a qual a poesia é uma província em que o nexo interno entre o som e o significado se converte de latente em patente e se manifesta da forma mais palpável e intensa.
Seja, por exemplo, a palavra tumba, cujo significado é o de algo enterrado, fechado, preso, recluso e cujo som é constituído por fonemas oclusivos, aqueles em que a corrente de ar fica presa, sepultada dentro da boca.
T, B: consoantes oclusivas. U: vogal oclusiva, pronunciada com a boca quase inteiramente fechada. São consoantes oclusivas: B, T, P, D, K, G.
O poema alude a coisa encerrada, fecha dentro de algo, o coração preso dentro do peito: "O nome da morte atinge agora / Toda a extensão de nosso peito".
Mas o coração do poeta é, por sua vez, uma outro invólucro que traz encerrado dentro de si a moça morta. E um túmulo encimado pelo símbolo fúnebre: "Somos a cruz que permanece".
Essa condição do coração-túmulo, que é o conteúdo do poema, a sua form interna, vem conotada, em sua forma externa, pela presença predominante, em todo ele, de consoantes oclusivas.
Percorre todo o poema uma aliteração em T: temos, solitária, estrela, repente, toque, momento, ausentaram, manifestações, morta, atinge, extensão, peito, devastado, entre, triste, existência, como se a palavra túmulo estivesse presente, amplificada na constante reiteração da consoante inicial ao longo de todos os versos.
Há ainda, na massa fônica do poema, uma dominância de nasais, maioria essa que confere aos aos versos de Pedro R. Wayne aquela mesma "atmosfera abafada, pesada, solene", que Nelly Novaes Coelho constatou diante da idêntica frequência de nasais em um fragmento de "A Meditação Sobre o Tietê" de Mário de Andrade.
Uma observação atenta do Poema nº. 2 de "Tropel de Aflições", constara a curiosa construção em quiasma utilizada por Pedro R. Wayne em dois versos, justamente naqueles em que menciona a cruz ou alude a ela:
"Somos a cruz que permanece
(...)
Entre dois braços tristes"
Ora, o quiasma é justamente uma disposição de fonemas idênticos cruzados, como já vimos.
Somos a cruz que permanece.
S K K S
Os fonemas extremos idênticos S estão numa posição de perfeita simetria com os medianos idênticos K, guardando entre si as proporções que existem entre a cabeceira e o pé da cruz em relação aos seus braços, numa tentativa de, na posição dos sonhos, sugerir o símbolo mortuário.
A mesma ocorrência no verso:
Entre os dois braços tristes.
T S S T
Talvez fosse ir muito longe tentar isolar, no poema, uma camada visual, em que a presença permanente da letra T sugeriria uma capa ótica de cruzes povoando o cemitério.
|
O Grupo de Bagé, verão de 1948.
(da esq. p/ dir., sentados: Jacy Maraschin, Glênio Bianchetti, Danúbio Gonçalves e
Ernesto Wayne; da pé, na mesma ordem: Pedro R. Wayne, Clóvis Assumpção, Ernesto
Costa e Clóvis Chagas. A foto foi batida por Glauco Rodrigues que nela está representado
pelo autorretrato no cavalete. |
Após aturada meditação diante da "Meditação ante o Retrato dos Avós", de Camilo Rocha (
* Bagé-RS, 2 de julho de 1932 - † Bagé-RS, 4 de agosto de 1958), e depois das lições de Dámaso Alonso e Lazaro Carreter, a partir do triângulo de Hellwag, elaboramos um outro triângulo, esse cromático, em que dispomos as vogais obedecendo ao seguinte posicionamento.
No lado A-É-Ó-I estão representadas as vogais com conotações de claridade e de alegria e no lado Â-Ê-Ô-U as vogais com sugestão de escuridão e tristeza.
De modo geral, portanto:
1. vogais fechadas (-i): escuridão, tristeza.
Sepulcro, urubu, catacumba, morto, tristeza, escuro, urubu, preto, fúnebre, horror, negro, fumo, lúgubre, noite.
2. vogais abertas (+i): claridade, alegria.
Ar, céu, sol, alvo, rosa, jasmim, neve, claro, dia, alegria.
No levantamento da incidência do timbre das vogais nos vocábulos do soneto de Camilo Rocha, consideramos esses fonemas somente em posição tônica, pois, em situação átona, a oposição de timbre se anula.
Grifam-se as sílabas escuras e aparecem em maiúsculas as claras.
|
Observação: O desequilíbrio parcial verificado no segundo quarteto e no segundo terceto explica-se pela presença neles das palavras riso e soluço, respectivamente. |
Temos aí, portanto, um claro-escuro perfeitamente dosado, um exato equilíbrio, um edifício com seus blocos e áreas abertas sabiamente distribuídos, numa rigorosa simetria.
O que não é convincente, porém, é a comparação entre o resultado do levantamento fônico da forma externa e o que nos deixa a forma interna, a proporção igual de alegrias e tristezas, de luzes e sombras, que a seleção das vogais conotaria em contraste com aqueles declarados soluços no último verso.
E há, realmente, um desequilíbrio que dá maioria às vogais escuras e, consequentemente, permite, agora sim, uma justa adequação ente a massa sonora e o conteúdo. Ocorre que há predomínio, na posição tônica privilegiada de fim de verso, de vogais escuras, alta tonicidade essa reforçada pelas rimas. Eis o esquema, em termos de calaras e escuras.
1º quarteto - E-C-E-C
2º quarteto - C-E-C-E
1º terceto - C-E-C
2º terceto - E-E-E
Temos, assim, só agora, uma atmosfera rembrandtiana em torno do retrato dos avós.
Algum senão contábil, acaso existente nestas considerações, fica prevenido com a observação de Wolfgang Kayser: "A análise do estilo não tem o rigor de uma demonstração matemática; para se poder principiar é preciso que haja grande intuição e sensibilidade que se tem que manter durante o trabalho".
Ó Ser Café com Orquestra Triste
Trapézios lunares
Seios sugeridos nevam
Um pensamento passou alto mordendo
Hamletos adormecem bandolins ardentes.
Cacos de olhos
Presença real de Shakespeare
Clowns e colombinas de Picasso em azuis
Em vão doendo
Sementes momentos paralisam
Ladrilhos encarceram tangos
Extraviadas em Deus
Fósforos Roxos
Sumidas figuras
Líquidos desligam realidades
Lascas de pupilas rasgam almas molhadas
Esses pobres versos da longa adolescência situam-nos prontamente no cenário, na atmosfera e no tempo em que foram escritos, há quase vinte e cinco anos passados.
Transportam-nos, de repente, aos velhos cafés da quadra principal da cidade, de desaparecerem soterrados pelos edifícios de muitos andares.
Estamos, talvez, em torno de uma mesa de tampa de mármore, no Café Nacional, nos aos de 1947-48, onde uma comovente orquestra de meninas e luto tocava tangos. Elas estão presentes no poema estavam presentes com todo o seu patético lirismo nas folhas de caderno em que Glauco Rodrigues e Glênio Bianchetti fixavam em inúmeros croquis naquelas antigas noites da cidade.
Glauco, Glênio e Danúbio Gonçalves este relato do Modernismo em nossa terra não poderia deixar de lado os pintores que integraram, em 1948, o grupo dos Novos de Bagé e que estão hoje entre as mais altas figuras da pintura brasileira.
Paga a pena relembrar os lugares em que, sucessivamente, tiveram seus atelieres: na rua Barão do Triunfo, entre a General Netto e a Bento Gonçalves; na chácara da Sra. Stechmann, ao tempo em que José Morais esteve em Bagé, em gozo do Prêmio de Viagem ao País; na rua Barão do Amazonas, nos fundos do Hotel do Comércio; na rua João Manuel; na parte velha da Avenida Sete, no sobrado defronte ao Orfanato São Benedito, onde, dez anos mais tarde, iria morar e escrever seus versos e morrer Camilo Rocha; no Passo do Príncipe, em que Glauco Rodrigues, em esplêndida fase "fauve" pintaria o retrato que desde então nos acompanha:
Soneto de Meu Retrato
Glauco Rodrigues fez este retrato
Me vendo mais por dentro que por fora,
O quadro cada vez fica mais exato:
Quem não era antes vou ficando agora.
Rugas e lágrimas eis que constato
Nesse rosto esfolado de quem chora,
Nessas cores de fogo que, de fato,
São como inferno pela face fora.
Sonhos de estrelas meus fugiram pelos
Mil caminhos grisalhos dos cabelos,
Restam rastros de prata na moldura,
Mas, o que é mais estranho em tal pintura,
É que me ponha a contemplá-la e sinta
Que nos mus olhos nunca seca a tinta.
O atelier da rua João Manuel e o sobrado abaixo da Catedral foram alugados em sociedade com Ernesto Costa que neles residiu à época que foi diretor da Biblioteca Pública Municipal e em que escreveu peças de teatro ("Insônia de uma Noite") e contos ("O Homem Caído", "Flores para o Morto"), alguns deles publicados em jornais de São Paulo, por iniciativa de sua irmã, Edy Lima, outro nome que não pode ser omitido neste apressado sumário das letras modernas bageenses. Embora, se afastasse de Bagé ainda muito moça, aqui nasceu e a presença de sua cidade natal pe uma constante pelo menos nos melhores momentos de sua obra, como é o caso do romance "Minuano" e a peça "A Farsa da Esposa Perfeita", construída à base de recordações de personagens de sua infÂncia, no Bairro do Povo Novo e que lhe valeu o prêmio da melhor peça apresentada em 1959 na capital bandeirante. Edy incursionou com êxito na área da literatura infantil: "A Moedinha Amassada", "O Macaco e o Confeito", "O Menor Anão do Mundo" e "História do Brasil".
E, por falar em literatura infantil, cabe cobrar de Tarcísio Taborda o aparecimento, o quanto antes, da sua "História de Bagé para as Crianças", pronta há muito tempo.
Falamos ainda há pouco da Biblioteca Pública Municipal ao tempo em que era dirigida por Ernesto Costa. Duas figuras então assiduamente a frequentavam: Tarcísio Taborda e Camilo Rocha. Tarcísio, com a colaboração de Ernesto, compila o material que vai reunir a sua bela antologia "A Cidade Sonho"; e Camilo recebe de Ernesto Costa a informação e a orientação literária com que completa o seu talento e lhe permite uma plena realização poética. Para a redação do jornal local, o autor destas linhas leva o cronista esportivo e comentarista política Camilo Rocha e os revisores Vicente Braile e Ramon Wayne, o primeiro autor dos contos "O Homem dos Provérbios" e "A Última Hora" e o segundo, do conto "O Baile dos Jacintos", todos premiados por Paulo Ronai e Aurélio Buarque de Holanda, através do Concurso Permanente de Contos mantido pela revista "A Cigarra", na década de 50.
Neste registro do conto em Bagé, vale mencionar a atividade de Pedro R. Wayne nessa área: "Eu e Ela" (Jornal Correio do Povo, Porto Alegre, 20 de maio de 1935), "Rio Negro" (revista Para Todos, Rio de Janeiro, segunda quinzena de fevereiro de 1957, com ilustrações de Poty) e "No Porão", o melhor dos três (Saúde em Revista, 8 de setembro de 1950). Em seu livro póstumo, "Lagoa da Música", reúne uma série de lendas locais.
Wilson Afonso com seus versos obtinha prêmios em Concursos de Poesia e Luís Cândido de Campos elaborava longos poemas romântico-parnasianos, exercício que muito lhe valeu, de certo, para a menção honrosa que conseguiu no Concurso de Poesia patrocinado pelo Instituto Nacional do Mate com o livro de poemas "Antônio João de Jesus".
De Nova Iorque, Jaci Maraschin nos mandava poemas acompanhados de partituras musicais.
Dois fatos merecem ainda referência para encerrar este sumário do Modernismo em Bagé: a circulação do jornal que foi porta-voz da estética modernista na Fronteira, o "ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVXYZ" de Pedro R. Wayne, Paulo Thompson Flores, Fernando Borba e Pelayo Perez, aparecido em 1934 e cujo título está sendo aproveitado para o nome do Boletim Cultural do Departamento de Letras da Fundação Universidade de Bagé; e atividade, nos primeiros anos da década de 40, do Teatro em Família, dirigido pela figura idealista de Túlio Lopes, e que lançou, entre outras peças, "Boêmio Triste", de Pedro R. Wayne.
Bibliografia usada para este estudo
Alonso, Dámaso.
Poesia Espanhola. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1960.
Alves, Castro.
Poesias Completas. 3ª ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1959.
Assumpção, Clóvis.
As Águas Não Têm Memória. Porto Alegre: edição do autor, 1942.
Coelho, Nelly Novaes.
Mário de Andrade para a Nova Geração. São Paulo: Edição Saraiva, 1970.
Costa, Ernesto.
Flores para o Morto. Suplemento do "Diário de São Paulo" de 31 de dezembro de 1952.
Carreter, Fernando Lázaro; Lara, Cecília de.
Manual de Explicação de Textos. São Paulo: Editora Centro Universitário, 1963.
Feijó, Luiz César Saraiva.
Células Sonoras do Verso Moderno. In: Estudos Filológicos. (Homenagem a Serafim da Silva Neto). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967.
Jakobson, Roman.
Linguística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 1969.
Kayser, Wolfgang.
Análise e Interpretação da Obra Literária. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1967.
Lima, Edy.
Minuano. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1959.
Lima, Edy.
A Farsa da Esposa Perfeita. In: Revista de Teatro. Rio de Janeio: maio e junho de 1960.
Lessa, Luiz Carlos.
O Modernismo Brasileiro e a Linguística Portuguesa. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1966.
Luft, Celso Pedro.
Dicionário de Literatura Portuguesa e Brasileira. Porto Alegre: Editora Globo, 1967.
Marques, Oswaldino.
Ensaios Escolhidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
Pignatari, Décio.
Contracomunicação. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971.
Poyastro, Rebeca.
Análise Estilística. In: Boletim do Gabinete Português de Leitura. Porto Alegre, maio de 1965.
Rocha, Camilo.
A Barca de Tarsis. Porto Alegre: Secretaria de Educação e Cultura, 1961.
Ribeiro, Joaquim.
Estética de Língua Portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro/ São Paulo: J. Ozon Editor, 1964.
Taborda, Tarcísio Antônio Costa.
A Cidade Sonho. Bagé: Tipografia Cetuba, 1958.
Wayne, Ernesto.
Xarqueada: Vista por Saint Hilaire e Pedro Wayne. Suplemento Literário do Correio do Povo, de 17 de setembro de 1967.
Wayne, Ernesto.
Notas sobre Pedro Wayne. In: Anais de Bagé. Museu Dom Diogo de Sousa, 1963.
Wayne, Pedro R.
Versos Meninosos e a Lua. Porto Alegre: edição do autor, 1931.
Wayne, Pedro R.
Dina. Porto Alegre: edição do autor, 1935.
Wayne, Pedro R.
Xarqueada. Rio de Janeiro: editora Guanabara, 1937.
Wayne, Pedro R.
Almas Penadas. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1942.
Wayne, Pedro R.
A Absoluta Animadora. Porto Alegre: edição do autor, 1943.
Wayne, Pedro R.
Tropel de Aflições. Porto Alegre: edição do autor, 1947.
Wayne, Pedro R.
Lagoa da Música. Porto Alegre: edição do autor, 1955.
Wayne, Ernesto. Momentos do Modernismo em Bagé. Cadernos de Estudo. Reedição. Bagé: FAT-FUnBa, 1972. p. 11-45