1 - A viagem de ida
Entardecia,
Vinha das ruas,
Ruas antigas,
A carrocinha
De amendoim.
Depois parava
Defronte à praça
Em que eu morava,
Sua estação:
Locomotiva
De duas rodas
Puxada a mão.
E era verde,
Verde e dourada.
Tinha seu sino
Som cristalino.
Apito e fumo
Soltava pela
Chaminezinha.
Só que não tinha,
O trem, vagões.
Ah, tinha sim,
Vagões de vento
Pelas bitolas
Largas das ruas.
Eu embarcava
Nesses vagões,
Feitos de vento
E furacões.
E viajava
Todas as noites
Por ruas raras
De todo o mundo.
Eu, passageiro
Do mundo inteiro.
Nesse comboio
Que se tornou
Um trem noturno
Sigo viagem
Até agora.
Vai na bagagem
Tudo que vejo
Pelas vidraças:
Placas passando
Da Casa Ramos,
Da Casa Lyra,
Casa Krentel,
A Importadora,
A Sedutora,
A Instaladora.
Placas passando
Do Capitólio,
Do Cine Apolo,
Do Coliseu,
Onde eu fazia
A baldeação
Para outro trem,
O Trem Ciclone.
Último trem
Sai de Madri
Para Paris,
Na tela gris
Eu tomo o trem
Que sempre quis.
Vai o Expresso
Xangai-Pequim,
Perto de mim.
Desço do trem.
Da Pola Negri.
Entro de novo
No velho trem
Da carrocinha.
Volto do centro
Às ruas de antes
Até seu fim.
2 - A viagem de volta
Mas nessa volta,
No trem mudou
O que era verde
Pelo que é preto,
Mas o dourado
Permaneceu.
Ficou fumaça
Do que se foi.
Mudou o som,
O som do sino
Que de cristal
Ficou de cobre
Tocando um dobre
Feito de adeus.
Não tem apito,
Mas tem penachos,
Parecem cachos
De anjos de trajos
Roxos e negros.
Eu fico em meu
Vagão de vento,
De vento frio
E nele aguardo
A hora e a vez
Do desembarque
Que quero seja
De madrugada,
O sol nascendo,
Só eu morrendo,
Mas queira Deus
Que o trem atrase.
3 - Da viagem recomeçada
E depois quando,
Quando ventar,
Ventar de novo,
Sou eu que volto,
Volto na névoa,
Vestes de névoa,
Vulto na névoa.
* * *
Degrazia, José Eduardo; et al. Noite nos Andes. Porto Alegre: edições URGS, 1977. 60 p.
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