sábado, 1 de julho de 2017

[Extrato de Conta] Apresentação

APRESENTAÇÃO

Em Bagé e arredores, todo mundo conhece o rastro artístico dos Wayne: Pedro Avô – o filósofo. Ernesto – o poeta-professor. Pedro Neto – o ator.

Geração intermediária entre dois Pedros, ERNESTO WAYNE é um cara magicamente obstinado.

Mostrando publicamente este seu denso e belo "EXTRATO DE CONTA", colhido ao longo da vida pelas agências bancárias da emoção, como imprevisível saldo íntimo de vitórias e derrotas, créditos e débitos passionais, indiferente  um tempo de metálica projeção futurista, ele retoma, compulsivamente, a sua mágica e frágil trilha de migalhas de pão. Um levedado, ora jocoso, ora dramático, mas sempre aconchegante pão meridional e caseiro chamado POESIA. Trilha que nenhum pardal conseguiu jamais lhe roubar. E que leva sempre, irremediavelmente, às clareiras da sua (ou da nossa?) infância e juventude.

A bruma das cirandas. O mundo velado de nosso casario protegido, por fora, por portões e altas janelas, povoado, por dentro, pela mobília antiga, paredes rugosas e úmidas, cenário impressionista de convívios do sul. Personagens que conservam um vago ar dramático, tais como afiadores de facas, calceteiros, modistas, consertadores de brinquedos, barmans, damas da noite e bêbados incuráveis. A alegria marota dos meninos antigos no seu atropelo de invernos colegiais. Bolas de meia e natais. Ingênuas devoções. As doutrinas visuais de Hollywood e seus bruxedos, explodindo nas desavisadas telas de Bagé. A noite fronteiriça com suas mesas de bar, sua fusão de virtudes e pecados, seus carteados, seus copetins e tangos portenhos. E, sobretudo, o íntimo complexo, visceral mundo das relações familiares, enfocadas, sempre em estado de graça, sem o ranço da obrigatoriedade genética, como encantado e único refúgio contra as hostilidades do planeta. Estes são alguns de seus temas prediletos. Através deles, ERNESTO WAYNE vai urdindo lembranças e traçando, sem perceber, a crônica poética dos avessos de nossa história provinciana, na sua despojada pobreza material latino-americana, platinizada e terna até as meais recônditas entranhas.

Dono de um substancial poderio verbal, autoridade na tecnologia da criação poética, WAYNE consegue raro malabarismo de alcançar, mestre de mil recursos, um virtuosismo rítmico rigoroso, quase obsessivo e, a um só tempo, a indisciplina íntima decorrente de sua visão das vastidões do homem. E assim ele pode povoar, com a mais despreocupada naturalidade, tanto o abismo interno de linguagem, quanto o espaço sideral sem limites dos seres e suas forças motrizes.

Dificilmente alguém escreverá, na fronteira, um poema mais comoventemente denso, de mais fôlego lírico que "RAMOS DE RAMÓN".

Lançada quando ERNESTO WAYNE está completando 40 oficiais anos de produção poética, segundo artigo publicado, no jornal CORREIO DO SUL, por Augusto Cavalheiro, que focalizava, em 07/09/48 suas inaugurações poéticas, a publicação de "EXTRATO DE CONTA" tem feitio também oficial. Patrocinada pela Prefeitura Municipal de Bagé esta edição comemorativa traz uma proposta: devolver ordenadamente à comunidade o que sempre a ela pertenceu – a febre de criação de ERNESTO WAYNE. Perpetuar esta febre é confirmar e registrar, para a posteridade, o trabalho de um POETA MAIOR.

As cidades têm sempre velhas dívidas com os seus poetas. Porque só eles são capazes de falar sobre elas com a grandiosidade de deuses e a ternura da menina dos anjos.

É justamente isto que ERNESTO WAYNE faz com impressionante competência. Poesia pura. Da mais despojada ousadia. A ousadia de decodificar as gentes e as acontecências de Bagé pela emoção. Essa energia, ao mesmo tempo, tão desvalida e tão poderosa.

Norma Campos de Vasconcellos

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Wayne, Ernesto. Extrato de Conta. Bagé: Prefeitura Municipal de Bagé, Diretoria de Cultura, 1988. 162 p.

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